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'Paris dos Trópicos'

 

'Paris dos Trópicos'

Além disso, de acordo com Reinaldo Corrêa Costa, ocorreu um processo de urbanização em cidades como Belém, com a criação de bairros planejados, melhoria na infraestrutura de portos e chegadas de jornais da França e da Inglaterra, que facilitavam a atualização com as informações do mundo.

"Assim como houve um fator de fortalecimento da proximidade geográfica com os centros internacionais e um distanciamento das realidades de exploração dos seringueiros, do processo só de endividamento que viviam e não tinham como denunciar ou recorrer", acrescenta.

"Ao mesmo tempo em que as cidades se aproximaram dos centros internacionais, os seringueiros que viviam um processo de exploração e endividamente ficaram isolados, sem ter como denunciar ou recorrer", acrescenta.

Nessa época, de acordo com o geógrafo Fadel David Antônio Tuma Filho (1948-2014), autor do artigo Riqueza e miséria do ciclo da borracha na Amazônia brasileira: um olhar geográfico através de Euclides da Cunha, de 2011, o cosmopolitismo de Belém e Manaus podia ser medido pelos elogios feitos por ilustres personagens que estiveram na região de passagem.

Mercado de ferro e doca do Ver-o-Peso em 1902

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Mercado de ferro e doca do Ver-o-Peso, em Belém, em 1902

De acordo com ele, a intensa ligação com a Europa trouxera os hábitos de "finesse", o gosto apurado, a predileção pela moda e pelos autores franceses.

"As casas comerciais ostentavam nomes sugestivos como 'Bon Marché', 'Au Palais Royal', 'Bazar Paris', 'La Corbeille'", escreveu.

"No primeiro decênio do século 20, era comum companhias de óperas italianas se apresentarem em Belém e Manaus. Espetáculos no estilo vaudeville eram apresentados por companhias de danças espanholas, italianas e portuguesas, numa reedição do 'Moulin Rouge' nos trópicos."

Ainda de acordo com Tuma Filho, a vida literária e intelectual da região podia ser medida pelo número de jornais que se editavam em Manaus (seis) e Belém (também seis) nesta época, após 1900.

"Grande era o número de escritores, jornalistas e poetas que agitavam a vida boêmia e literária nestas duas capitais", disse.

"Comum era a frequência com que as pessoas viajavam para a Europa, fossem elas abastados donos de seringais ou jovens intelectuais, filhos da burguesia, que se dirigiam principalmente à França."

Centenas de paraenses e amazonenses, acrescentou, atravessavam o Atlântico, uns para estudar, outros em busca de saúde nas estações termais, outros pelo prazer de viajar, de enriquecer a alma de sensações e conhecimentos.

Rua 15 de novembro em 1899

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Rua 15 de novembro, em Belém, em 1899

"A Europa representava, naquele tempo, o que hoje significa o Rio de Janeiro para as populações regionais", registrou.

"Aliás, quase ninguém conhecia a [então] capital do país, de onde só se irradiava uma influência nitidamente oficial, do interesse de governo a governo."

A opulência e riqueza proporcionada pelo Ciclo da Borracha foram experimentadas primeiro na capital do Pará, cidade mais desenvolvida e mais próxima da Europa.

"Belém levava vantagem de sua infraestrutura e posição, visto que tinha cabo submarino direto com Londres e a maioria dos grandes navios que atravessavam o Atlântico para buscar a borracha paravam na cidade e dali voltavam", explica Costa.

"Além disso, muitas das elites administrativas das empresas que viajavam ficavam em Belém, não iam para o interior da região amazônica."

No fim do século 19, a capital paraense experimentou um grande crescimento econômico, principalmente por meio de seus "aviadores", comerciantes que recebiam produtos importados e os vendiam para as mais longínquas regiões produtoras de látex.

Os navios que vinham buscar borracha ou trazer produtos de consumo chegavam à cidade carregados de queijos franceses, vinhos portugueses, vestidos italianos e até empregados europeus, como costureiras belgas, por exemplo.

Praça Dr. Justo Chermont em 1899

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Praça Dr. Justo Chermont, no Centro de Belém, em 1899

Como se não bastasse, a elite enriquecida com a borracha esbanjava dinheiro com hábitos exóticos e caros, como mandar engomar roupas em lavanderias de Lisboa e importar patins, para usar durante férias em países frios. "Suas feiras detinham os mais variados produtos e sua associação comercial comandava grande parte dos seringais amazonenses e acreanos", conta Pereira. "Era impossível dissociar a importância da produção de borracha das outras regiões da Amazônia para a economia belenense e paraense."

Segundo Pereira, usando os recursos disponíveis e pelos mesmos motivos que Manaus tinha em relação a se autoafirmar como grande metrópole moderna, Belém priorizou a construção de sua casa de ópera, o Theatro da Paz, inaugurado em 1878 e então a maior do Brasil.

O dinheiro abundante advindo do comércio da borracha patrocinava a contratação de famosas companhias líricas brasileiras e estrangeiras para se apresentar no monumental teatro. A casa também recebia visitas ilustres, como a do compositor Carlos Gomes, autor de O Guarani, que, em 1882, apresentou a ópera Salvador Rosa em Belém.

Mais tarde, foi a vez de Manaus alcançar estágio semelhante de desenvolvimento e prosperidade. Entre os resquícios da Belle Époque na Amazônia aludidos por Pereira, está o Teatro Amazonas. Construído no largo de São Sebastião, no centro de Manaus, a casa foi inaugurada em dezembro de 1896, Inspirado na Ópera Garnier de Paris, decorado com porcelana italiana e em alto estilo.

Foi um marco de período, que ainda está de pé – embora sem a pompa e o esplendor da época em que foi construído.

"Manaus foi a primeira cidade brasileira a ser urbanizada e a primeira capital a receber energia elétrica", diz Pereira.

"No auge do Ciclo da Borracha, contava com iluminação pública, água encanada, telefone e telégrafo, além de uma linha de bonde. Mas é impossível não dizer que o maior símbolo desse período é o Teatro Amazonas. Com seus 700 lugares, foi concebido de forma luxuosa para poder atrair os melhores artistas e rivalizar com as principais casas de ópera de Paris."

Nessa época, Manaus tinha várias alcunhas: "Capital da Borracha", "País das Seringueiras" e "Paris dos Trópicos".

"Várias são as histórias que se contam da cidade", revela Pereira.

"Relatos que permeiam o imaginário dão conta de que, ao cair da tarde, era possível ver os comerciantes locais em frente ao suntuoso Teatro Amazonas, fumando charutos feitos com notas de dólares e vestidos à moda parisiense."

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